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Primeiro, a paulistana Daniela Tomya entrou na faculdade de psicologia, porque achou que era sua vocação. Abandonou o curso no início e fez graduação em moda, por influência de seus pais, donos de uma confecção. Depois de trabalhar quase 20 anos na área, sua carreira não avançava. Ela estava insatisfeita. “Não gosto de moda. Não sei desenhar, não me sinto confortável no ambiente”, diz. A frustração veio quando ela percebeu que nunca seria mais que assistente de estilista ou de produção. Até que chegou ao ponto em que não era mais possível continuar. Decidiu então, aos 38 anos, mudar de carreira.
Com apoio financeiro do marido e da mãe, Daniela começou a procurar cursos de saúde, área com que tinha afinidades antigas. “Cheguei a pensar em fazer uma graduação em farmácia. Concluí que não seria produtivo na minha idade.” A saída foi procurar uma pós-graduação. Depois de pesquisar e de se informar, ela optou pela especialização em hotelaria hospitalar, do Centro Universitário Senac. Conta que, ao ler a descrição do curso, pensou: “Me achei! É minha área!”.
Sua impressão inicial se confirmou: cerca de dois anos depois de tomar a decisão de abandonar a carreira, de ter passado por momentos em que se sentiu, como ela diz, um “peixe fora d’água” e de muito estudo, Daniela trabalha na área que escolheu, numa clínica médica em São Paulo. “O curso me garantiu uma série de habilidades relacionadas ao acolhimento, à segurança e ao bem-estar dos pacientes, fundamentais no meu dia a dia na clínica”, diz. Hoje com 41 anos, ela finalmente não sente o peso de ir para o trabalho na segunda-feira.
"Orientamos o aluno a se portar como profissional na sala de aula. Ao lado dele, pode estar seu futuro chefe ou sócio"
Daniela faz parte do grupo de profissionais que usam a pós-graduação como estratégia para mudar de carreira. Há duas ou três décadas, histórias assim eram pouco comuns. O sonho profissional era ingressar numa empresa após concluir a graduação e permanecer nela até se aposentar. Hoje, num mundo ditado pelo ritmo das inovações, a habilidade de transitar por diversas áreas é valorizada pelos empregadores e desejada pelos empregados. “A grande contribuição da pós-graduação no Brasil é permitir mobilidade no mercado de trabalho”, afirma Ronaldo Gusmão, do Instituto de Educação Tecnológica (Ietec), de Belo Horizonte. “Três em cada dez clientes que atendo almejam mudar de carreira”, afirma Joseana Pereira, coach e consultora empresarial. Alguns, quando a procuram, já têm clareza do que querem, outros não. “Em ambos os casos, uma pós ou um MBA faz parte do percurso.”
A grande vantagem desses cursos é encurtar o caminho de quem não pode ou não quer começar tudo do zero com uma nova graduação. Os cursos lato sensu se multiplicaram nos últimos anos, nas áreas mais diversas. Eles podem ensinar habilidades amplas (como gestão e marketing) ou específicas (como engenharia florestal ou gerenciamento de projetos). Todos esses cursos têm em comum a forte vocação de preparar para o mercado de trabalho, ao contrário dos cursos stricto sensu (acadêmicos), com maior duração e mais ênfase nas carreiras de pesquisa ou docência. “Num primeiro momento, nos anos 1990, as especializações tinham conotação mais generalista. Agora, a demanda se sofisticou, com o aumento da exigência por parte do mercado”, afirma Marcelo Saraceni, presidente da Associação Brasileira de Instituições de Pós-Graduação (Abipg).
Além do que se aprende no curso, a rede de relacionamentos construída durante a especialização pode fazer diferença na hora de mudar de carreira. Metade das movimentações no mercado de trabalho acontece por meio desses contatos. “Temos casos de profissionais que vêm fazer uma pós não só para aprender, mas também para recrutar novos profissionais. Por isso, sempre orientamos nossos alunos a se portar como profissionais dentro da sala de aula, pois ao lado dele pode estar seu futuro chefe ou futuro sócio”, afirma Gusmão.
No Brasil, não existem dados oficiais atualizados sobre a oferta desse tipo de curso. O último levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em 2007, contou 8.866 cursos, a maior parcela na área de ciências sociais, negócios e Direito (31,2%). O Ministério da Educação (MEC) prepara um cadastro nacional de oferta de cursos de especialização. Considerando o ritmo de lançamentos das instituições de ensino superior, o novo levantamento do MEC deverá revelar um número ainda maior de cursos à disposição.
A diversidade de cursos de pós-graduação oferecidos pelo mercado, todos pensados para aumentar as chances de emprego em determinada área, também torna a escolha mais difícil. Como escolher o curso ideal? O primeiro passo é descobrir as razões da mudança. Estar insatisfeito com o chefe, o trabalho ou a empresa pode revelar que você precisa mudar de emprego. Não necessariamente de carreira. Chefes chatos e tarefas pouco atraentes existem em qualquer tipo de trabalho. O importante é avaliar se a profissão atual não está em descompasso com suas expectativas. Elas podem envolver a satisfação de ajudar a mudar o mundo. Ou o prazer de lidar com pessoas. Ou atender a um sonho de infância. Não realizar essas expectativas alimenta a angústia de quem sai de casa de manhã sem vontade de trabalhar. “A pós ajuda na busca por um novo significado do trabalho”, afirma a consultora empresarial Marcia Hasche.
O desconforto vivido por muitos daqueles que desejam mudar de carreira é uma espécie de crise, mas não é necessariamente ruim. Daniela Ruiz, de 42 anos, formada em engenharia eletrônica, deixou para trás uma carreira de sucesso de 20 anos – 13 deles numa multinacional do setor de tecnologia, onde chegara a diretora comercial –, em nome do desejo de fazer mais pelas pessoas. “Sentia um vazio grande, embora a empresa fosse um excelente lugar para trabalhar, com espaço ilimitado para crescer”, diz Daniela. “Estava tudo ótimo, mas minha vida profissional não atendia a minha inquietação de fazer mais pelo indivíduo.” Embora ocupasse um posto de liderança e, ao longo da carreira, tivesse apostado no desenvolvimento individual, sua rotina reduzia significativamente o tempo que podia dedicar a essas questões.
Do desconforto à decisão, demorou. “Passei por um tempo de incubação, em que não dava para ter objetivos claros. Demorei a decidir.” Enquanto isso, ganhava força o desejo de estudar psicologia ou gestão. Após se informar, conversar e pesquisar, optou pelo mestrado em psicologia, por acreditar que o curso lhe daria o aprofundamento que procurava. Além de fazer mestrado, Daniela trabalha como coach e consultora.
O segundo passo para enfrentar a trajetória de mudança e escolher uma pós-graduação é definir um objetivo claro. Mudar de área exige determinação e esforço pessoal. Sem saber aonde se quer chegar, esse esforço será vão. “A mudança exigiu investimento de tempo, estudo, leituras, preparação, participação em palestras, cursos e, no meu caso, aprimoramento do inglês e aprendizado de um terceiro idioma, o espanhol”, diz Iná Monteiro Rosário, de 36 anos, de Porto Alegre. Ela trocou a carreira de advogada pelo mundo da moda. “Gosto de moda e sempre me identifiquei com esse mercado”, diz. Para se preparar, Iná se matriculou numa pós de marketing de moda, na ESPM-Sul. Planeja se formar no segundo semestre deste ano e já trabalha numa entidade ligada à indústria de calçados como consultora de relacionamentos. “É preciso ter paciência e saber lidar com as dificuldades. Tenho de fazer novos contatos, encontrar quem aposte em minha capacidade e entenda minha escolha por uma nova carreira”, diz ela. Apesar de sua transição não ser fácil e de já durar dois anos, Iná diz que é a fase mais prazerosa de sua vida. “É cheia de aprendizados e descobertas.”
Ainda que seus objetivos sejam claros, a mudança demora e pode não sair exatamente do jeito imaginado. Por isso, o planejamento financeiro é fundamental para o sucesso da transição. Foi o que fez Silvana Andrade, de 40 anos, do Rio de Janeiro, quando tomou a decisão de tentar outra profissão. Depois de passar por duas grandes empresas, numa carreira de 12 anos em que chegou a assumir, por quatro anos, um cargo de gerência na área de recursos humanos, ela resolveu deixar o mundo corporativo para levar adiante um projeto profissional que combinava mais com suas expectativas pessoais, no terceiro setor. Graduada em administração, iniciou a transição enquanto trabalhava numa empresa de telefonia celular. Fez uma poupança, cortou despesas e começou a fazer um mestrado profissional em projetos sociais e bens culturais, na Fundação Getulio Vargas. Essa fase, que durou um ano e meio, não foi fácil. “Eu trabalhava, estudava e ainda dava aulas.” Tudo isso para, no fim, descobrir que não queria trabalhar no terceiro setor. “Percebi que dar aulas fazia muito mais sentido para mim”, afirma. Ela partiu, então, para um doutorado acadêmico. Chegou a fazer parte do quadro fixo de algumas faculdades. Hoje, dá aulas na pós-graduação, sem pertencer ao quadro fixo de nenhuma. Diz que ganha mais do que como administradora. “E estou mais feliz agora”, diz.
Fonte: Revista Época
Data da notícia:
22/05/2014